Já tiraram a pinta a Farioli: o fim do efeito surpresa no FC Porto?

 


O encanto inicial começa a esmorecer


O duelo entre o FC Porto e o Nacional pode ter representado um momento de viragem na era Farioli. Até aqui, o técnico italiano vinha colecionando elogios, vitórias e uma aura de novidade que parecia quase impenetrável. Contudo, como em todas as histórias de sucesso repentino, chega sempre o momento em que alguém decifra o código. E ao que tudo indica, esse momento chegou.


Farioli entrou no futebol português com uma proposta moderna, assente em posse, controlo e sincronização quase milimétrica. O Porto de Farioli jogava como uma máquina bem oleada, mas o jogo contra o Nacional mostrou que até as máquinas mais precisas podem emperrar quando alguém encontra o ponto fraco.



A desmontagem da engrenagem portista


O que o Nacional fez, na prática, foi anular o coração do sistema portista. E isso, num modelo tão dependente de rotinas e posicionamentos predefinidos, é meio caminho andado para desmontar toda a estrutura.


As equipas adversárias começaram a perceber padrões — e o futebol moderno é cada vez mais sobre padrões. Já se percebeu, por exemplo, que os laterais do Porto participam pouco no ataque, optando mais por garantir cobertura defensiva do que por dar profundidade e largura. Isso, inevitavelmente, cria clareiras no meio-campo e limita a criação de superioridade numérica nos corredores laterais.


Além disso, há um detalhe que começa a ser visível: os interiores, Gabri Veiga e Froholdt, jogam colados aos extremos, abrindo espaço mas também isolando o setor central. O resultado é um vazio entre linhas, onde o Porto tem dificuldade em progredir quando pressionado.



Samu e o dilema do ponta de lança


Outro ponto fulcral é Samu. Um jogador tecnicamente dotado, com bom primeiro toque e faro de golo, mas que não parece talhado para o papel que Farioli lhe pede. O técnico quer um avançado que sirva de pivô, vire-se para o jogo e ligue as jogadas, mas Samu é mais letal dentro da área do que fora dela.


Há, portanto, um desfasamento entre o que o treinador idealiza e as qualidades naturais do jogador. E no futebol, quando se tenta forçar um jogador a ser algo que não é, a equipa acaba por ressentir-se.


O Porto precisa de um nove que combine inteligência posicional com mobilidade, alguém que consiga manter o sistema fluido sem perder a ameaça de profundidade. Samu pode evoluir nesse sentido, mas por enquanto, há ali uma pequena fricção entre teoria e prática.



O controlo total tem o seu preço


Farioli é um treinador de rotinas. Ele acredita que o jogo deve ser controlado ao pormenor, como se estivesse a jogar PlayStation com os seus jogadores. Cada movimento é pensado, cada saída é estudada, cada passe é programado.


Essa obsessão pelo detalhe é, simultaneamente, a sua maior virtude e o seu maior risco. Quando a equipa está em sintonia, o Porto é um espetáculo de organização, mas quando algo falha — quando um jogador hesita ou o adversário corta a linha de passe esperada — o sistema perde fluidez.


Há pouco espaço para a improvisação criativa, aquele lampejo de génio que foge à tática e resolve o jogo. E isso, no futebol português, pode ser fatal. As equipas de meio da tabela são peritas em anular esquemas previsíveis e castigar excessos de rigidez.



O fim do efeito novidade


Durante as primeiras semanas, o Porto de Farioli era uma incógnita. As equipas não sabiam como reagir a uma estrutura tão coordenada e a um ritmo tão europeu. Agora, com mais vídeos, mais dados e mais observação, o efeito surpresa acabou.


Os adversários já sabem onde o Porto é vulnerável:

Na falta de amplitude ofensiva, quando os laterais não sobem;

Na previsibilidade dos movimentos interiores, quando Gabri Veiga e Froholdt não têm espaço;

Na ausência de soluções improvisadas, quando o plano A não funciona.


E se o futebol é um jogo de ajustes, Farioli está agora diante do seu primeiro verdadeiro teste em Portugal.



Inteligência e capacidade de adaptação


Não é o fim do mundo. Longe disso.

Treinadores inteligentes — e Farioli é um deles — aprendem mais nas derrotas do que nas vitórias. A questão é perceber se ele vai abrir espaço à criatividade dos seus jogadores ou se continuará a insistir num modelo de comando absoluto.


Há momentos em que o treinador tem de soltar as rédeas, confiar no instinto dos jogadores e permitir que o talento se imponha. O controlo total, por mais bonito que pareça no papel, é impossível num jogo que vive do imprevisto.



O Porto continua uma equipa temível


Apesar das críticas, seria injusto não reconhecer que o FC Porto continua fortíssimo. As rotinas de Farioli dão segurança, a intensidade dos jogadores desgasta qualquer adversário, e o talento individual de nomes como Pepê, Galeno ou Evanilson continua a ser uma arma letal.


O que se pede agora é evolução. Ajustes finos. Pequenas variações táticas que devolvam ao Porto a imprevisibilidade que o tornou tão perigoso no arranque da época.



A “prova dos nove” começa agora


Dizem que o verdadeiro teste de um treinador não é quando tudo corre bem, mas quando as equipas já sabem o que esperar. Farioli chegou a esse ponto. O Nacional revelou o manual de instruções, e agora todos tentarão seguir o mesmo guião.


Cabe ao técnico azul e branco reinventar o seu jogo, encontrar soluções dentro das suas próprias ideias e mostrar que não é apenas um treinador de laboratório, mas também um estratega capaz de reagir no calor da competição.


O futebol português já “tirou a pinta” a Farioli — agora é a vez de ele mostrar que a sua tinta ainda pinta de azul e branco o topo da tabela.



Conclusão: entre o método e a magia


O Porto de Farioli é uma obra em construção. Há método, há rigor, há ideias. Mas talvez falte um pouco de magia, aquele espaço para o inesperado que transforma boas equipas em campeãs.


O jogo contra o Nacional não foi uma derrota tática, mas um aviso. O futebol português é um campeonato de nuances, de adaptações constantes, e o que hoje funciona pode amanhã ser desmontado por um adversário astuto.


Farioli tem tudo para superar essa fase: inteligência, liderança e convicção. Só precisa agora de uma coisa — aceitar que, às vezes, o improviso também faz parte da arte de vencer.

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