Campeão Europeu por 5 Vezes Morre sem Estátua: O Futebol é uma Cegueira Nacional

 


A notícia chegou de forma sóbria e contida, como convém a um comunicado oficial: Júlio Rendeiro faleceu aos 83 anos. O antigo craque do hóquei em patins, uma lenda do Sporting e da Selecção Nacional, partiu. E com ele, talvez, uma parte da memória coletiva de um país que, por vezes, parece sofrer de uma amnésia seletiva quando o assunto não é futebol.


A carreira de Rendeiro é, por si só, um argumento incómodo para a hegemonia futebolística. Pelos leões, não foi apenas um jogador; foi um conquistador. Três Ligas, duas Taças de Portugal e, o feito mais glorioso, a Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1977, erguendo o Sporting ao topo absoluto do continente.


Mas é pela Selecção que o seu registo se torna quase ficção. 152 internacionalizações, 112 golos (um número estratosférico para um não-avançado), dois Mundiais e incríveis cinco Campeonatos da Europa. Após pendurar os patins, pegou no banco e guiou a equipa nacional à conquista do Mundial de 1982, completando uma transição de jogador-emblema a mestre-estratégia.


A pergunta que fica, e que muitos preferem ignorar, é: onde está o clamor nacional? Onde estão as bandeiras a meia-haste nos estádios e as intermináveis sessões de tributo nos telejornais? Júlio Rendeiro foi um dos atletas mais vitoriosos da história do desporto português, ponto final. A sua palmaré, em termos de títulos conquistados pela Selecção, é de um domínio raramente igualado por qualquer modalidade.


A homenagem do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que o recordou como um "ídolo da sua juventude", é digna, mas também serve como um espelho cruel para a sociedade. Ela revela que Rendeiro era um gigante de uma era passada, uma figura cuja grandeza é reconhecida com um suspiro nostálgico, mas não com o fervor que a sua carreira exigiria.


O seu falecimento não é apenas a perda de um homem. É o desaparecimento de um dos pilares de uma época de ouro do desporto português, uma época que prova que o sucesso nacional não se resume a um único desporto. Enquanto choramos a sua partida, somos forçados a confrontar um facto desconfortável: será que Júlio Rendeiro foi, durante décadas, o maior atleta português de sempre a quem o país nunca prestou a devida homenagem?


O Mundo do Desporto endereça sentidas condolências à família e amigos. Mas o país, esse, fica a dever-lhe muito mais do que uma nota de pesar num dia de tristeza.

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